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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ORQUESTRA MONOFÔNICA (Olga Caixeta



Não sei se para ouvir essa orquestra será necessário receber um convite. Penso que não. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça.
Todos os dias alguém dá o tom e a música começa, mas não é nenhum Mozart ou Strauss com sua belíssima “ Danúbio Azul”. São as graciosas cigarras que se agrupam e entoam o seu canto.
Fico imaginando o regente dessa linda orquestra que parece o sambinha de uma nota só.
Lembro-me, então, da antiga historinha da Cigarra e da Formiga que tanto nos contaram quando éramos crianças ainda, com o intuito moralizante: enquanto as formigas trabalhavam exaustivamente, armazenando alimento para o inverno, as cigarras só cantavam, acreditando estarem alegrando os céus com um “Hino ao Amor” e agradando a todos os ouvintes.
Se há tanto tempo não faziam nada e só queriam mesmo cantar para passar o tempo, habituaram-se à rotina cantante e, segundo o velho ditado, “quem só aprendeu a fazer nada, depois de ter aprendido tal ofício, dificilmente se livrará dele”.
E sabem do melhor?  Esse grito todo que ouvimos é dos machos que gritam assim para atrair as fêmeas, e elas têm um canto muito baixo... depois dizem que as mulheres é que falam muito....
E quanto as suas contraparentes, as pobres formigas? Além de trabalharem tanto não tinham outra escolha a não ser ouvir o canto exasperante das cigarras.
Hoje, não ouço mais as histórias; vejo-as no real. As formigas, mostrando-se cumpridoras de seu dever, entram em nossas casas, vasculham doces, bolos e gostam até de pizza.
Nada lhes passa despercebido e, não adianta querer acabar com elas. Você mata umas e outras aparecem em dobro como se brotassem uma após a outra num piscar de olhos.
As cigarras não ficam atrás. Deixe alguma janela aberta no cair da tarde e você vai ouvir bem de perto uma das participantes da grande orquestra fazendo solo no mais alto grau, bem ao seu ouvido.
Elas se agrupam nas árvores... seu lugar preferido. Ah! E não passe por baixo, pois é bem possível você receber umas boas gotas de suas necessidades caírem-lhe pelos braços. Sem nenhum acanhamento, elas brincam, cantam e se enveredam por espaços que não fazem parte do seu habitat. Vez que outra morrem;  não conseguem se libertar de algumas quedas.
Quantas seriam necessárias para fazer um barulho tão alto? Quem ouve pensa que muitas, mas uma só já mostra uma potência de garganta que ensurdece.
Dizem que cantam para chamar a chuva, mas será que essa chuva fica tão longe assim para terem de gritar o dia inteiro? Santo Deus!
Dizem também que cantam até estourar; aí quedam-se. Por que tanto masoquismo? Será que têm consciência do que fazem?
E quando vem a chuva, onde será que se escondem? Ou ficam se molhando ao sabor do vento?
Não sei se alguém já procurou saber sobre isso; já li que entre os insetos, as cigarras são as únicas que produzem o som estridente que todos conhecem. Algumas das espécies maiores conseguem atingir os 120 decibéis com facilidade, enquanto outras menores realizam a proeza de alcançar uma sonoridade tão aguda que seu canto simplesmente não é percebido pelo ouvido humano, embora cães e outros animais possam chegar a uivar de dor por causa dele.
As cigarras estão presentes em quase todas as regiões do mundo, tanto em climas quentes como frios e existem mais de 1 500 tipos diferentes delas.  Normalmente, são encontrados em regiões de florestas tropicais, mas também podem ser encontrados em outros tipos de vegetações.
Seu desenvolvimento completo pode durar de 1 a 17 anos. As ninfas vivem enterradas até a maturação, enquanto os adultos habitam árvores e plantas, alimentando-se da seiva. Assim como os cupins, as cigarras estão entre os insetos mais longevos do planeta.
Sabemos ainda que sua importância no ecossistema é positiva, por um lado, por servir de alimento para os predadores e, negativa, por outro, porque constitui-se em pragas de algumas culturas.
Mas, prefiro ficar só com as lembranças da historinha que remete a um bom tempo da áurea vida que não volta mais. E como também gosto de cantar envolvo-me no tom e dou o meu troco. Não a ponto de estourar. Mas canto.

*Professora de Português e Membro da Academia Machadense de Letras