Recordando Flash
Gordon Cesar Vanucci * “O que lembro, tenho.” (Guimarães Rosa) Vinte anos
atrás, se tanto, uma revista incluiu-me na lista de jornalistas e escritores
convidados a indicarem os 20 melhores filmes de todos os tempos. Recordo-me de
que os títulos por mim arrolados coincidiram, na maior parte, com os filmes
apontados pelas demais pessoas consultadas.
Apenas num caso
ocorreu discrepância. Fui o único a relacionar entre os filmes mais apreciados
as fitas-em-série (como eram chamadas) de Flash Gordon. Fundamentei essa
escolha no argumento de que nos fascinantes domínios das criações
cinematográficas, em particular, e artísticas, de modo geral, poucas coisas
buliram tanto e de forma tão excitante com a mente infantil, quanto as proezas
narradas em capítulos do herói de ficção que antecedeu os astronautas da vida
moderna.
Ele era visto,
semanalmente, nas telas de cinema a singrar o espaço sideral em ruidosa nave
com forma de charuto, acompanhado da encantadora Dale Arden, do professor
Zarkov e do Príncipe Barin. Cumpria galhardamente a missão de enfrentar as
solertes investidas do maligno imperador Ming, do planeta Mongo, com seus
abjetos planos de colonização da Terra. A trama e as ações dos personagens
eram, pode-se dizer hoje, bastante simplórias.
Os cenários, a
se levar em conta os recursos visuais empregados na atualidade pela indústria
cinematográfica, revelavam uma simplicidade comovedora. As situações vividas
pelos protagonistas anteponham-se a lógica comum. Lembravam um bocado as
historietas de quadrinhos. Outro ponto de identificação das fitas em série com
os gibis consistia na constatação da solene aversão que Juizes de Menores,
educadores e pais nutriam com referencia a essas duas modalidades de
entretenimento infantil, encaradas como nefastas na formação educacional.
Comissários de menores, compenetrados de sua sagrada incumbência, postavam-se
na entrada dos cinemas para impedir a presença de menores de 14 anos. Ficavam
ali mode protegê-los dos enormes riscos contidos nas mensagens propagadas nas
deletérias aventuras de Flash Gordon. Nos pátios das escolas havia o costume,
também nessa época, de acenderem-se piras de respeitáveis proporções com
revistinhas.
O nocivo
material era localizado nas pastas dos alunos, junto aos livros e cadernos, graças
a eficiente monitoramento executado por zelosos encarregados das salas de aula.
Em alguns lugares, o fogaréu saneador adquiria aspecto ritualístico. Os pais e
os alunos recebiam convites para assistir, ao lado dos professores, a
transmutação dos abomináveis impressos multicoloridos em cinzas. Como são as
mudanças comportamentais!
Desses processos
pedagógicos, numa reavaliação histórica, o que conservamos na atualidade é um
registro simplesmente hilário. Os quadrinhos adquiriram status de arte. Os seriados
de Flash Gordon são reconhecidos como referencia precursora, tal qual os livros
de Julio Verne, nos fascinantes caminhos percorridos pela criatividade humana
na busca infindável do sentido da vida. Os produtores do seriado sabiam das
coisas. Anteciparam, lá pelos anos 30, as ainda inimagináveis viagens
espaciais. Botaram nos céus engenhos voadores tocados a energia nuclear e
aparelhados para confrontos bélicos com raio laser.
Que poder de
imaginação aquele, santo Deus! Flash Gordon foi protagonizado por Larry Buster
Crabbe, nadador que integrou a equipe olímpica estadunidense. A primeira série
de fitas, lançada em 1936, custou algo equivalente a 350 mil dólares, uma
fortuna para a época. Em 1938, novos capítulos foram lançados. O herói
cosmonauta, desta feita, salvou o planeta de uma ofensiva extraterrena
articulada por seres de argila, procedentes de Marte, empenhados em retirar o
nitrogênio da atmosfera. No derradeiro seriado, o Imperador Ming reapareceu
como vilão.
Flash Gordon não
permitiu, destemidamente, que ele infectasse a Terra com um vírus mortal. O
papel de Dale Arden nos seriados foi vivido por Jean Rogers, pelos padrões de
beleza da época uma mulher estonteante. Povoou com meiga presença nas
trepidantes aventuras do pioneiro em viagens espaciais os sonhos da meninice de
muita gente.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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